29.1.08

Mito e Música

Por Antônio do Amaral Rocha

Neste ano de 2008 o antropólogo Claude Lévi-Strauss, nascido de uma família judia, em 1908, em Bruxelas, na Bélgica completará 100 anos de vida e muito se falará das suas idéias que se valem do marxismo e do estruturalismo.

Considerado um dos grandes pensadores do século XX, Lévi-Strauss, formado na Universidade de Paris, tornou-se referência para os estudos da Antropologia. Estudou Filosofia, mas é a etnologia que ele considera sua verdadeira paixão intelectual.

Claude Lévi-Strauss fez parte da missão francesa que definiu os parâmetros de ensino da recém-fundada Universidade de São Paulo, onde lecionou Sociologia, de 1935 a 1939.
Aqui fez diversas expedições ao Brasil Central, estudos que estão registrados em Tristes Trópicos, publicados em 1955, que foi definidor para sua opção pela Antropologia.

Durante a Segunda Guerra Mundial Lévi-Strauss esteve exilado nos Estados Unidos e lá lecionou na década de 1950. De volta à França conviveu com o círculo intelectual de Jean-Paul Sartre e assumiu, em 1959, o departamento de Antropologia Social no Collège de France, onde ficou até se aposentar, em 1982. Suas idéias e métodos de análise da cultura influenciaram pensadores como Althusser, Roland Barthes, Jacques Lacan, Michel Foucault, Deleuze, Derrida e Jean Baudrillard e carregaram de novos sentidos as noções de raça, cultura, progresso e relações humanas, entre tantas outras.

Um dos temas, entre muitos, em que Lévi-Strauss se debruçou foi o das relações entre mito e música, assunto deste artigo, utilizando o método estruturalista, que definiu como “a procura por harmonias inovadoras”.

Para Lévi-Strauss, a relação entre mito e música se dá em dois aspectos: o primeiro, o da similaridade (que tem a mesma natureza), e o segundo, o da contigüidade (aquilo que está próximo, em contato).

O entendimento da relação de similaridade está ligado a uma idéia da percepção da totalidade, tanto do mito como de uma obra musical. Entende Lévi-Strauss que não é possível se apreender ou entender um mito sem se levar em conta os grupos de acontecimentos que fizeram deste mito um mito, mesmo que para isso sejam necessárias informações sobre os dife­rentes momentos da História que criaram tal mito. Com referência a uma obra musical, a sua leitura fragmentada também não é capaz de levar a sua apreensão, mas só uma leitura totalizante proporcionará o entendimento do seu significado.

A similaridade entre mito e música para Lévis-Strauss está na metáfora mito/partitura orquestral – partitura es­crita frase por frase – e só com uma leitura de sua totalidade será possível o entendimento do significado.

Mas só a relação de similaridade não é suficiente para explicar a aproximação do mito à musica. Diz Lévi-Strauss que o aspecto da similaridade só se sustenta se se considerar também a relação de contigüidade, que “dá a chave para este problema”. A idéia de contigüidade está aqui ligada à idéia de tempo histórico, quando, segundo ele, o pensamento mitológico passou para um segundo plano no Ocidente da Renascença e do século XVIII, quando “começaram a aparecer as primeiras novelas em vez de histórias ainda elaboradas segundo o modelo da mito­logia”. Constata-se também, nesse período, o aparecimento dos grandes estilos musicais que se tornaram características dos séculos seguintes (XVII, e principalmente os séculos XVIII e XIX). Lévi-Strauss toma como exemplo a tetralogia O Anel dos Nibelungos, do ciclo dramático de Wagner, que compreende as quatro óperas: O Ouro do Reno, As Valquírias, Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses, todas baseadas no tema da maldição ligados à posse do ouro e à renúncia do amor. Esclarecendo: em O Ouro do Reno a posse do ouro está ligada à renúncia a todo tipo de amor. Em As Valquírias o tema do amor aparece de forma incestuosa, portanto proibido. São temas musicais também comuns na mitologia.

Lévi-Strauss deduz que este exemplo já é o suficiente para se explicar a similaridade de método entre a análise do mito e a compreensão da música. Note-se o exemplo da sinfonia composta com um princípio, meio e fim; contudo não se entenderá nada desta sinfonia se não se apreciá-a como um todo. Isto é, cada fragmen­to ouvido tem que estar relacionado com o antes e com o depois, para que com a audição em conjunto se possa chegar a um perfeito entendimento. Também é assim a estrutura do mito no correr do tempo histórico.

O exemplo da fuga como foi formalizada por Bach é outro mo­mento onde Lévi-Strauss vê as relações de aproximação com o mito. “A história inventariada pelo mito é a de um grupo que tenta esca­par ou fugir de outro grupo de personagens”. A grosso modo, isto seria uma perseguição onde o grupo A (maus) e o grupo B (bons) tentassem se alcançar e se distanciassem como numa fuga/perseguição e a solução desta fuga seria a conjugação entre os dois grupos mitológicos, onde os conflitos entre os poderes de baixo e do alto, céu e inferno seriam colocados em confronto. “A solução mítica de conjugação é semelhante em estrutura aos acordes que resolvem e põem fim à peça musical”. Lévi-Strauss relaciona ainda outras estruturas musicais como a sonata, o rondó ou a tocata, que são formas não inventadas para si próprias, mas buscadas nas estruturas mitológicas.

Outra vertente comparativa de Lévi-Strauss, agora entre música e linguagem (de resto, responsável pela propagação do mito) está na linguística, onde os elementos básicos da linguagem são os fonemas que se combinam até formar as palavras e as palavras em frases. Na música há o correspondente aos fonemas que são as notas e às frases que são as combinações das diversas notas. Mas há a ausência das palavras. No mito também há o equivalente às palavras, às frases, mas falta o equivalente aos fonemas. “Há, portanto, em ambos os casos, um nível que falta.”

É possível então se buscar uma relação entre mito, linguagem e música. Para isso é necessário se partir sempre da linguagem, pois ambas se desenvolvem dela, mas se desenvolvem antes em diferentes direções: “a música destaca os aspectos do som já presentes na linguagem, enquanto a mitologia sublinha o aspecto do sentido, o aspecto do significado, que também está profundantente presente na linguagem”.

Lévi-Strauss afirma que este tipo de paralelismo, através da similaridade e da contigüidade, entre mito e música só é possível levando-se em conta a música ocidental tal como ela se desenvolveu nos últimos séculos. Os exemplos apre­sentados desenvolvem idéias que são perfeitamente sustentáveis, independente das resistências que se possa ter com o método estruturalista de análise.

Para ir além: LÉVI-STRAUSS, Claude. “Mito e Música”. In Mito e Significado, Lisboa, Edições 70.

Um comentário:

Anônimo disse...

Amei ler tudo que contem nesse Blogger ,me ajudou muito no meu trabalho escolar !

obrigada pelas informaçoes ulteis !

Nara Abreu.