12.2.07

Sinal aberto

Por AARocha
Gravadora lança discos avulsos do artista essencial com capas originais
Chico Buarque - Universal Music

Artistas consagrados deixam-se seduzir pelas famosas caixas temáticas que as gravadoras lançam no mercado — geralmente a preço muito alto, só podem ser adquiridas por privilegiados. 17 álbuns (1970 a 1986) de Chico Buarque (parte da caixa Construção) estão agora disponíveis individualmente.
É de se louvar esta iniciativa da Universal que preserva as capas originais e reproduz, ainda que em tamanho reduzido, as contracapas dos vinis, e informa sobre as ações da censura (a capa de Calabar, Chico Canta, de 1973, teve três versões diferentes).
O áudio destes CDs foram remasterizados e até uma absurda ação da censura é preservada — a palavra sífilis em “Fado Tropical” é substituída por um “tsk”, como no registro original.
Comentadores de CDs não devem defender teses, mas não no caso de Chico. Parafraseando “Futuros Amantes”, “os escafandristas virão/ explorar a sua casa/ sua alma, desvãos”, a tese hipotética é a seguinte: não há outro registro da História desse tempo. É possível compreender os acontecimentos só ouvindo a música popular do período “escrita” em vinil — a de Chico bastaria. São vozes e temas recorrentes em todos os CDs, como opressão (“Agora falando sério” — Chico Buarque de Hollanda n. 4 — 1970); exploração (“Construção”, do CD de mesmo nome, 1971); desagravo (“Quando o Carnaval Chegar”, do CD homônimo, 1972, com Bethânia e Nara); escracho (“Partido Alto”, Caetano e Chico Juntos e ao Vivo, 1972); desamor (“Tatuagem”, Calabar — Chico Canta, 1973); censura (“Sinal Fechado”, 1974, aqui Chico interpreta outros compositores, pois sua obra estava toda no índex da ditadura); inconformismo (“O que será”, Meus Caros Amigos, 1976); exploração de classe (“Bicharia”, Os Saltimbancos, 1977), separação (“Trocando em Miúdos”, Chico Buarque, 1978); traição (“Geni e o Zepelim”, Ópera do Malandro, 1979); showbiz (“Bastidores”, Vida, 1980); delinqüência (“O meu Guri”, Almanaque, 1981); liberdade (“Alô Liberdade”, Os Saltimbancos Trapalhões, 1981); esperança (“A Pesar de Usted”, Chico Buarque em Espanhol, 1982); fantasia (“Vai Passar”, Chico Buarque, 1984); malandragem (“A Volta do Malandro”, Chico Buarque Apresenta Malandro, 1985); repressão (“Hino de Duran”, Ópera do Malandro — Trilha Sonora do Filme, 1986).
Também por isso, Chico Buarque é uma unanimidade incontestável.
Publicado originalmente na revista Rolling Stone n. 4, janeiro de 2007.

9.2.07

Privilege não é mais um filme desaparecido!

Por AARocha
Não foi fácil mas encontrei. Garimpei e com as dicas do Carlos Reichenbach encontrei uma cópia de Privilege. Estou embasbacado com a atualidade deste filme feito em 1967 por Peter Watkins, com Paul Jones e Jean Srimpton nos principais papéis. O Reino Unido é retratado como uma lugar caustrofóbico e de arquitetura sufocante. O popular singer Steve Shorter se "deixa" manipular pela mídia, TV, empresários, igreja, status quo, mercado, enfim. É uma pecinha minúscula numa imensa e esmagadora engrenagem. Decidem tudo por ele, na ausência dele, até como deve cantar e o que deve cantar. Mais do que isso, como deve se comportar, o que deve fazer e falar. Em meio a isso tudo há uma namorada, artista plástica, compreensiva, que parece ser a única a ver os absurdos a que ele se submete. É a consciência crítica do enredo. O popular singer cai em desgraça e vai para a cadeia. Numa arena, enjaulado e algemado como um Prometeu acorrentado sua consciência será imolada. Toma tento da situação, canta, revolta-se, agride os guardas. A platéia se revolta.
Parece uma peça sendo representada. É humilhado, velipendiado e como um zumbi é escalado para representar a vontade podre do sistema, da mídia, da indústria do entretenimento, da igreja. A encenação é de tom sério, mas sabemos ser uma farsa o que estamos vendo. A farsa do mercado, da salvação através da religião. Nesse espetáculo de horrores, hordas enlouquecidas de fãs continuam a participar dessa festa macabra. Querem mais, sempre mais. A trilha sonora é algo à parte. O filme todo é recheado de belas cançoes de rock.
É um filme premonitório, mais atual impossível. Pena que dificilmente poderemos vê-lo novamente em cinemas e mesmo na televisão. Vá atrás dessa pequena obra prima, vale a pena...

8.2.07

Um grande filme desaparecido!

Por AARocha
Cinéfilo não tem mesmo jeito. Tem alguns filmes que vimos há 30, 35 anos atrás e de repente vem à memória uma cena e até um diálogo que estava perdido em algum lugar. A gente pára tudo o que estava fazendo e vai buscar algum tipo de informação, que pode estar num livro que descansa na estante, num recorte de jornal, arquivado numa pasta qualquer que se acha dentro de um armário. Depois disso tudo você descobre que o tal livro um amigo levou e não devolveu, o arquivo de recortes você jogou fora num daqueles acessos de se desfazer da coisa velha. Vencido, desiste. Mas a tal cena continua te "aporrinhando" porque se não fosse importante não teria nem vindo à tona. Comigo aconteceu isso, dia desses. De repente me lembrei de um filme chamado Privilégio e algumas cenas me vieram à cabeça. Não achei nada que pudesse satisfazer o desejo da lembrança. Até que resolvi recorrer aos sites de busca, mas nada de achar. Até que tomei contato com o blog do Carlos Reichenbach e lhe mandei o seguinte e-mail: "C
arlos, desculpe escrever assim se mais nem menos. O que nos une é o amor pelo cinema. Sempre estive de olho nos seus filmes, entrevista etc. e agora encontrei o seu blog
que já coloquei entre os meus favoritos. O motivo deste meu e-mail é indagar se você (que é uma inciclopédia, eu sei) tem conhecimento de um filme inglês da década de 60 que no Brasil passou com o nome de Privilégio. Busco informações sobre este filme mas não encontro em lugar nenhum. Só me lembro de um nome no filme, Paul Jones, que não sei se era o ator ou o diretor. Lembro-me também de algo do argumento: um ídolo popular (cantor, uma espécie de Mephisto) tentando se livrar dos compromissos que a fama lhe impunha. Se puder me ajudar, agradeço desde já. Do admirador, Antônio."
Dois dias depois, respondeu-me o Carlão:
"Antônio, você está se referindo a PRIVILEGE, de Peter Watkins, filme que fará parte do meu futuro livro "60 FILMES NOTÁVEIS". Uma autêntica obra prima, que muito lembra a peça RODA VIVA, de Chico Buarque de Holanda, encenada por José Celso. Watkins é um dos cineastas mais radicais e interessantes já surgidos na Inglaterra (atualmente, vive na França). Fez vários filmes (alguns de forma cooperativada), mas ficou eternizado por THE WAR GAME e PRIVILEGE."
Carlão teve a grandeza de dar mais detalhes, inclusive citando links: Sobre PETER WATKINS:
http://www.imdb.com/name/nm0914386/
Sobre PRIVILEGE http://www.imdb.com/title/tt0062155/
Pesquisei e fiquei plenamente satisfeito. Tanta gentileza assim só se encontra entre os aficcionados pela mesma coisa.

6.2.07

Não estamos sós!

Por AARocha
Ter cinqüenta anos hoje e falar de música, especialmente aqueles de nós que vivemos os fluidos da flower power pela rabeira, mas vivemos, torna-se difícil. Dizemos que o rock dos 70 é que era bom e a garotada de até 30 anos fica zoando da nossa cara. Falamos dos concertos, dos vinis, das capas dos vinis... e da incrível sensação que era experimentar e enrolar unzinho, ouvindo o nosso som. É lógico que esse comportamento ficou inadequado nesses dias que correm...
Os concertos, poucos que vimos em filmes eram maravilhosos. Parecia que aquele sonho embalado a canções e rock não acabaria nunca. Poucos foram filmados (afora Monterey Pop, Woodstock, Simon & Garfunkel em Nova York e outros que não temos conhecimento), muitos foram gravados e poucos lançados em vinil.
Mas teve um cara que sabia o valor daqueles acontecimentos. E não perdeu tempo. Bill Grahan (já falecido) era o cara. Ele teve a paciência de registrar em fita, direto da mesa de som, quase todos os shows que produzia em casas de espetáculos como Filmore West (San Francisco) e Filmore East (New York). Esse tesouro composto de 350 gravações foram agora localizadas e disponibilizadas num site que também comercializa camisetas, bottons, cartazes e todos os fetiches do rock. É so acessar http://concerts.wolfgangsvault.com/ (Wolfgang's Vault) e se deliciar, e por que não, viajar com concertos inteiros de Crosby, Still, Nash & Young (uma jóia rara), The Allman Brothers, The Band, Cream, The Doors, Bob Dylan, The Eagles, Grateful Dead, Guns N' Roses, Jimi Hendrix, Led Zeppelin, Madonna, Bob Marley, Metallica, Nirvana, Pearl Jam, Tom Petty, Pink Floyd, Traffic, The Rolling Stones, Santana, Bruce Springsteen, U2, Van Halen, The Who, Neil Young, Frank Zappa. Uma verdadeira jóia de A a Z, especialmente os da década de 70.

4.2.07

Wilson Barros (1948-1992)

Por AARocha
Nada mais chocante do que uma notícia dessas. Estava lendo uma resenha crítica de José Geraldo Couto, na Folha de São Paulo, de 4/2/2007, a propósito do lançamento em DVD do filme Anjos da Noite, de Wilson Barros, e logo no primeiro parágrafo fui acometido de um choque. Estava escrito: Wilson Barros (1948-1992). Explico: é chocante saber que quando duas datas estão anotadas à frente de um nome é porque aquele ser humano deixou de existir naquela última data. Fiquei sabendo, 15 anos depois, que Wilson Barros morreu. Mas será verdade? Não teria sido um engano do crítico? Na dificuldade em conferir tal informação só posso acreditar nela e ficar consternado 15 anos depois.
No final da década de 70 e início da década de 80, Wilson foi um brilhante colega no curso de pós-graduação em Cinema na ECA. Lembro-me que, enquanto um grupo de alunos orientados pelo Professor Peñuela e Ismail Xavier, entre eles eu, gatinhávamos no contato com as teorias cinematográficas, Wilson já trilhava com maestria no curta-metragem e se destacava entre todos. Certa vez, um trabalho de curso proposto pelo Professor Peñuela foi a realização de um média-metragem. Lembro-me que todas as tarefas típicas da realização de um filme foram divididas entre o grupo e a direção foi dada a Wilson, por razões óbvias, declarou Peñuela. "É o único aqui que tem perfil de diretor e quero investir nesta idéia", foram mais ou menos as palavras dele. Dessa experiência realizamos Os crimes da lata, argumento do próprio Wilson, roteirizado por ele, com ajuda dos colegas (éramos umas 10 pessoas). A minha função foi de fotógrafo de cena (still, no métier cinematográfico) e foi igualmente gratificante passar aquele período num set sob a direção de Wilson.
Lembro-me de um outro episódio: estava conversando com o Wilson e disse a ele que tinha começado a escrever um trabalho sobre o Cinema Novo sob o ponto-de-vista do Tropicalismo. Wilson ouviu os meus argumentos, me instigou, me questionou e no fim me disse: Antônio, esse é o tema da minha dissertação. Confesso que, diante disso, desisti da idéia, visto que já tinha alguém brilhante pensando no tema. Não sei se Wilson escreveu essa dissertação, nem mesmo se defendeu seu mestrado ou doutorado, mas tenho a certeza que se o fez foi de forma brilhante.
Depois disso, Wilson passou a ter uma carreira cinematográfica própria e ainda na década de 80 realizou pelo menos uma obra-prima conhecida que é Anjos da Noite.
Eu, depois daquela experiência, continuei estudando Cinema, mas perdi o contato com aqueles colegas, fiz outros cursos e entrei na pós da FFLCH da USP me propondo a estudar as relações entre Literatura e Cinema.
Achava mesmo muito estranho não ter conhecimento de nenhum filme novo de Wilson e hoje tenho essa notícia, por acaso, num complemento ao seu nome. Desconcertante e triste...