17.12.08

ARRIGO FALA

por Antônio do Amaral Rocha

Arrigo Barnabé, citado por Caetano Veloso na música “Língua”, diz que não tem nada a ver com a MPB, mas seu trabalho caminha nesse estreito limite entre o popular e o erudito. Seu nome está associado a uma vanguarda musical que apareceu em São Paulo no início da década de 80. É o que se pode ouvir em Clara Crocodilo – Arrigo Barnabé e Banda Sabor de Veneno (1980), Tubarões Voadores (1984), Cidade Oculta – trilha sonora (1986), Suspeito (1987), Façanhas (1992), Ed Mort – trilha sonora (1997), Gigante Negão (1998), A Saga de Clara Crocodilo (1999), Missa in Memorian – Arthur Bispo do Rosário (2004), Coletânea 25 Anos de Clara Crocodilo (2004) e Missa in Memoriam – Itamar Assumpção (2006).
Em 2008, lançou o CD Arrigo Barnabé e Paulo Braga, ao vivo em Porto, gravado em 2004, num único show naquela cidade portuguesa. Além disso, tem se aventurado por outros caminhos, como o programa de rádio que apresenta, uma vez por semana, na Rádio Cultura FM de São Paulo.

Você vê alguma diferença entre seu trabalho autoral e a trilha sonora para cinema que tem a característica de ser dirigida?
Quando você faz trilha sonora você trabalha como um colaborador, é um trabalho de colaboração com outra equipe. O trabalho com cinema é um trabalho todo de equipe, o diretor define no fim das contas, mas o trabalho é coletivo. Eu converso muito com o montador, que agora chama editor, e com o editor de som. Essas pessoas são muito importantes. A não ser que o diretor do filme diga “faça o que você quiser”, isso nunca aconteceu comigo, você vai ter que se adaptar ao que ele quer, tentar entender o que ele quer. É como se fosse uma arte aplicada. Eu gosto muito de fazer, porque a gente é desafiado a encontrar soluções para uma série de problemas que aparecem pela proposta estética do filme, pela cabeça do diretor, pelo pensamento do montador de som, do cara que está colocando a ruidagem, então é muito interessante, inventivo e muito legal. Estimulante.

Neste ano você esteve envolvido com o programa de artista residente da Unicamp. Como foi este trabalho?
Desenvolvemos lá o projeto Salão de Beleza. Eu passei 2008 indo duas vezes por semana à Unicamp. Eu tinha duas turmas de alunos da área de música erudita e uma turma da área de música popular. Com essas pessoas eu desenvolvi um trabalho de criação. São alunos muito bons, de muita qualidade. Eu tentei aproximá-los da idéia da performance. Eu senti que eles estão muito preparados, mas eu pensava: “onde esses caras vão tocar, meu deus”? Os caras, tocando desse jeito pra ficar tocando num bar? E comecei a pensar no problema que eles iriam enfrentar.

Que é o mesmo problema que você também enfrenta?
Sim, mas eu já sou um cara mais conhecido e eles pra conseguirem esse espaço terão que arrumar uma maneira mais imediata de entrar em contato com o público. E a performance sempre serviu pra isso. Então começamos a estudar a história da performance a partir de Alfred Jarry, quando fez o Ubu Rei, passando pelos dadaístas, pelo John Cage. Vimos como a gente consegue chegar mais ao público diretamente. Comentamos muito esse problema que a música erudita e a música popular mais elaborada sofre, por causa da incomunicabilidade, como conseguiremos resolver esse problema da incomunicabilidade e fazer aquilo que a sociedade está esperando, lógico que inconscientemente, que seja discutida pelos artistas. Eu acho que essa questão da busca da perfeição através da intervenção no corpo, da plástica, todo esse delírio consumista, isso é uma coisa que a sociedade quer discutir, por isso eu propus que a gente fizesse um trabalho em cima da idéia ao salão de beleza. Uma das histórias que eu desenvolvi com o pessoal de música popular começa assim: “Tudo começou quando Dona Narcisa levou o pequeno Kan ao seu local de trabalho. “Mamãe, mamãe, é aqui que você trabalha?” “É meu filho, é aqui que a mamãe trabalha.” “Mas o que você faz mamãe?” “Ah, a mamãe faz as pessoas ficarem mais belas”. E o menino começa a ficar obcecado pela beleza, mas ele descobre que a beleza tem um preço. Ele acompanha uma pessoa sendo depilada e vê que dói. Mas ele vai ficando obcecado e se torna um cirurgião plástico. Então é uma história dividida em quatro partes, cada grupo escreveu a música de uma parte. Eu acho muito interessante, a molecada estudante de 22, 23 anos... Tem encenação, tem pessoal de teatro, de dança envolvido, pessoal de artes visuais, os professores de iluminação, cenografia. É uma coisa profissional.

Arrigo, você lançou Arrigo Barnabé e Paulo Braga, ao Vivo, em Porto. É evidente que para um concerto só de pianos você teve que fazer uma redução dos arranjos, pensando no que colocaria no lugar de alguns instrumentos. A referência pop que as sua criações apresentam ficaram ausentes.
Sem baixo e bateria já fica uma coisa mais erudita.

Mas essa expectativa de um concerto erudito é quebrada quando aparecem as vozes.
Esse trabalho eu já estava fazendo em 1992. Eu apresentei na Sala Guiomar Novaes na Funarte. Nesse período eu já trabalhava com o Paulo Braga que já tocava comigo há uns 5 anos. Eu falei: “Paulo vamos fazer um duo de pianos”. Ele topou e eu fiz a redução das partituras para dois pianos, com o material do Clara, Office boy, tem vários materiais nesse disco que eu não usava nas versões para banda e começamos a nos apresentar. Pra você fazer um trabalho com banda fora de São Paulo, é passagem, transporte, tudo isso, e as pessoas me chamavam e me pediam sempre uma formação menor. Isso também foi um dos motivos para eu criar um duo. O ideal sempre foi fazer com piano acústico, mas raramente a gente tem oportunidade aqui no Brasil de ter uma sala com dois pianos acústicos. A gente fazia com dois elétricos, ou então com um acústico e um elétrico e começamos a trabalhar... fizemos muita coisa fora do Brasil e pensamos: “vamos registrar isso uma hora, ir pro estúdio e tal”. Quando fomos tocar em Porto não pensávamos em fazer o CD. Fomos pra lá convidados pelo Ricardo Paes que é um encenador português muito importante e também diretor do teatro Nacional São João, que me convidou para fazer o encerramento do festival de teatro de língua portuguesa, em 2004, e eu queria uma formação pequena. Tinha o duo, pensei, “vamos com o duo” e o Teatro Nacional tinha condições muito boas, uma estrutura ótima com dois pianos de cauda inteira, o equipamento de som deles, de amplificação e o técnico de som é espetacular. Fizemos um show muito legal.

Foi um show só e vocês resolveram gravar?
Um show só, numa noite e depois de um tempo o pessoal do teatro mandou pra gente o registro, que é uma coisa que eles fazem com todos os artistas que se apresentam lá. Quando recebemos vimos que estava muito bom, a gente está improvisando bastante, esse tempo todo trabalhando a gente improvisa muito. Daí ficamos com isso guardado.

E o programa foi maior do que está registrado no CD?
Bem maior, ficamos com o registro guardado, e este ano encontrando o Wilson Souto, que é o diretor da Atração e antigo criador do Lira Paulistana, no meu programa de rádio na Cultura FM aconteceu... Ele foi lá para falar sobre o Lira e daí comentamos o fato de eu nunca ter tocado no Lira Paulistana, pois na época eu tinha uma banda enorme e não cabia naquele palquinho. Se eu tivesse um duo na época com certeza teria feito. Daí ele me convidou: “vamos fazer a sua discografia”. Achei maravilhoso, ótimo. Daí conversamos: “o que a gente começa a fazer?” Eu falei do material inédito, gravado em Portugal, em 2004, com a equipe de lá: “e eu acho que o som está muito bom e veja o que acha, se vale a pena, se está tecnicamente legal, você entende disso mais do que eu”. Em seguida, eu o Paulo fizemos a seleção das faixas e mandamos para ele. Ele achou que estava adequado e que poderíamos lançar. É um material inédito, uma versão que ainda não existia, onde as pessoas podem ouvir o esqueleto da música, meio assim voyeur auditivo, como aquele cara que gosta de espiar. Essa é a história.

O público de Portugal já conhecia o seu trabalho inventivo feito anteriormente?
Fiquei sabendo que algumas pessoas foram de Lisboa para Porto para assistir. Viajaram 400 quilômetros para me assistir! Tinha uma parte do público que me conhecia. E o Ricardo Paes que me programou assistia meus concertos aqui no Brasil em 1980, com a Banda Sabor de Veneno, antes de eu gravar o Clara Crocodilo e ele não se esqueceu disso.

No CD, a faixa “Cidade Oculta” é a mais melódica e tem uma interpretação pungente. È uma valsa, se bem que desconstruída, não é uma coisa tão comum como uma valsa banal.
É, ela tem uns caminhos harmônicos complicados.

Notei que o canto é feito em cima de cada nota.
Isso é porque eu sou um mau cantor. É verdade, eu tenho que tocar a nota pra afinar.

Já li alguma coisa que você disse nesse sentido. O que eu notei é que cada nota é marcada por uma palavra ou por uma sílaba, ela é bem marcada nesse sentido.
É verdade. Essa música é uma parceria com o Gudin e a letra maravilhosa é do Roberto Riberti.

Lembra-me um pouco o que o Zé Miguel Wisnik está fazendo hoje.
Pois é, essa música é de 1984 e começou inspirada numa peça do Michel Legrand.

A idéia que passa é que ela está sendo executada num bar enfumaçado, esse é o clima.
Essa música tem a ver com o Blade Runner. Na época a gente tinha assistido “milhares” de vezes e eu falei pro Riberti, ele foi ver e adorou. Você vê que a letra fala de andróide, holograma. Quando eu mostrei pro Chico Botelho que estava começando a filmar Cidade Oculta, eu falei “acho que essa música é a cara do filme”, e ele gostou e quis saber o nome. Eu disse “Rachel”, o nome daquela replicante que no final termina com o Harrison Ford. Eu disse: “mas é claro que dá pra ser Cidade Oculta, ela fala em cidade, cidade que só chovia, e lembra Blade Runner, onde só chovia”. E daí a música entrou na trilha sonora.

Você abandonou essa idéia de ter um projeto que esteja inserido dentro da chamada MPB?
Eu não sou MPB. Parece que eu tinha esse projeto nos discos, mas tinha, na verdade, uma confusão na minha cabeça.

No disco Suspeito de 1984...
O Suspeito é um disco voltado na tentativa de ganhar dinheiro, uma tentativa de se ter uma espécie de saúde econômica, mas não consegui, não adiantou nada, quero dizer, até que me permitiu... têm várias canções ali que dá pra apresentar em show solo, que dá pra tocar e cantar sozinho num bar.

Por mais que queira, e nem sei se quer, você não é um músico com esse perfil erudito clássico. Você pode ir tocar num bar.
De vez em quando eu apareço num bar pra dar uma canja, mas eu toco muito pouco em bar atualmente.

Mas eu estava falando do seu perfil, você pode ir para um bar, para Sala São Paulo se alguém convidar....
Ah, posso... Eu vou fazer o Teatro Municipal.

Televisão, acho um pouco difícil...
É mais complicado. Eu gosto mesmo é de rádio.

Está nos seus planos mostrar esse Cd em shows aqui no Brasil?
Veja, esse é um trabalho que eu estava fazendo há bastante tempo e esse CD é um meio de divulgá-lo, porque, com as pessoas ouvindo o registro, a gente pode fazer mais shows.

Com relação aos seus discos anteriores, os vinis, todos já foram lançados em CDs?
Ainda não, Suspeito e o Cidade Oculta ainda não saíram, mas agora o Wilson Souto quer lançar a minha discografia completa incluindo as duas missas que eu escrevi em memória do Bispo do Rosário e do Itamar Assunção.

Uma observação sobre o que está registrado no CD Ao Vivo em Porto. Elas me parecem obsessivas no sentido da repetição, de buscar...
Você ouviu bem, então. É um barato, é gostoso fazer isso. É um negócio meio de transe, meio hipnótico, você entra num estado... é muito legal o que acontece no palco.

Eu notei que tem uma busca pela repetição...
Pela redundância.

Mudando de assunto, fazer Tv está nos seus planos?
Sabe, eu não gosto de fazer TV. Eu gosto de fazer rádio. Eu tenho um programa de rádio. Eu fiz um programa com um violonista erudito e é claro toquei música erudita de violão, mas também fiz um programa com o Gil Gomes, que ficou encantado com o jeito do programa.

Gil Gomes tem a ver com a narrativa do Clara...
Tem a ver, claro. Fiz um programa com o Zé do Caixão. As músicas que aparecem no programa tem a ver com o entrevistado. Tem uma seqüência no programa que faz parte de uma investigação sobre o gosto. O que eu faço? Eu pego uma música, geralmente do século XX, que tenha um grau de estranheza bem elevado e vou para lugares inusitados, faço as pessoas ouvirem e gravo o que as pessoas estão sentindo quando estão ouvindo aquilo. Por exemplo, fui até os ambulantes em volta do Teatro Municipal, fui na cooperativa dos catadores de lixo, no clube dos jogadores de xadrez. Gravo as reações das pessoas. Em cada programa eu mostro uma peça importante do repertório do século XX. Já vistoriamos as grandes obras o século XX de música contemporânea, incluindo algumas coisa de música popular como o Frank Zappa, coisas do Moacir Santos, do Itamar Assunção e até o Clara Crocodilo, Valter Franco, mas enfim, isso é inserido no programa e no final eu faço comentários sobre essas peças.

21.11.08

Grande Tom Zé

No último dia 19 de novembro estive entrevistando Tom Zé, que eu já admirava e agora então, depois deste Estudando a Bossa, admiro muito mais. Vocês poderão conferir na edição de dezembro da Rolling Stone.

Arrigo Barnabé

Na Rolling Stone n. 26 publiquei um texto sobre o Arrigo Barnabé que simpaticamente me concedeu uma bela entrevista. É lógico, que lá a entrevista não está na integra. Na verdade é um texto impressionista sobre o eterno vanguardista da música do Brasil.
ADORÁVEL MALDITO
Arrigo Barnabé revê três décadas de obra em disco ao vivo
Graças às inusitadas misturas (rock, MPB e música erudita com dança e teatro) e ousadias musicais (dodecafonismo, atonalidade), o nome de Arrigo Barnabé sempre esteve associado à vanguarda. Não por coincidência, o músico se consagrou como um dos cabeças do movimento “Vanguarda Paulistana” na década de 70, que incluía nomes como Itamar Assumpção, Tetê Espíndola e Grupo Rumo, e deu o verniz erudito às produções do período.
Como uma forma de repassar a carreira de 11 discos gravados ao longo de três décadas, o músico lança Arrigo Barnabé e Paulo Braga - Ao Vivo em Porto, álbum ao vivo gravado em 2004 durante um único show na cidade portuguesa. “Fiquei sabendo que algumas pessoas foram de Lisboa a Porto para assistir, e isso não é pouca coisa”, comemora o londrinense de 57 anos. O resgate da gravação aconteceu durante o programa que Arrigo apresenta na rádio Cultura, durante uma entrevista com Wilson Souto, um dos sócios do antigo Teatro Lira Paulistana e hoje diretor do selo Atração (que acabou lançando o CD). “Esse era um material inédito, em que as pessoas podem ouvir os esqueletos das músicas, assim meio como um voyeur auditivo”, ele explica, sobre os arranjos contidos do disco. Esse ineditismo pode ser ouvido nas versões em piano de seis peças conhecidas - “Office Boy”, “Sabor de Veneno”, “Clara Crocodilo”, “Antro Sujo”, “Outros Sons” e “Cidade Oculta” -, que conservam suas teatralidades originais, com Arrigo e Braga usando a voz como canto, discurso e fala. A utilização das vozes, no caso, quebra a seriedade esperada em um concerto de piano erudito.
Se a obra de Arrigo é considerada de difícil fruição, a valsa “Cidade Oculta”, da trilha sonora do filme homônimo de Chico Botelho (1986), pode ajudar a mudar esse conceito. Com uma interpretação pungente, ele canta a canção de forma melódica, quase que solfejando. “Isso é porque eu sou um mau cantor”, brinca. “É verdade! Eu tenho que tocar a nota pra afinar a voz!”

9.3.08

Em se tratando de Dylan não há unamidade

A repercussão do meu texto publicado no site da Rolling Stone, do dia 7 de março (http://www.rollingstone.com.br/materia.aspx?idItem=1962&titulo=Tempos+Modernos&Session=) a respeito do show do dia 6 de março na Via Funchal mostra bem o que significa o mito Dylan. Os comentadores são membros das comunidades do Orkut dedicadas à música da década de 70, Comunidade Dylan, Comunidade Albatroz de Joel Macedo, além de alguns companheiros colunistas do site Digestivo Cultural.

Algumas delas:
A resenha é do membro da nossa comuna o grande jornalista de São Paulo, Antônio do Amaral Rocha. É sobre o show do dia 06/03 e foi publicada no Site da revista Rolling Stone.
Joel Macedo

Valeu Antonio !
Não vou ao show do Dylan aqui no RJ, e tudo indica que não vou me arrepender !
Sou daqueles que preferia o cara tocando fielmente os velhos classicos com gaita e violão ou mesmo com o The Band nos 60/70Th!
Pelo que li em sua resenha, este novo show vale muito mais pelo mito do que pelo som apresentado!
Grato pela lembrança e parabens pelo artigo! abração!
Sérgio de Carvalho

Seu texto é verossímil. Dê uma olhada nos últimos tópicos e comments sobre Dylan lá na comuna...
Pra te ser sincero Antônio eu gosto é do Dylan dos anos 60. Esse é que ficou gravado e não sai da minha imagem. Quando quero vou nos DVDs e o revejo no esplendor da sua forma. Ou ouço os primeiros discos.
O Dylan de hoje pra mim é uma peça de museu. Uma águia empalhada. E foi por isso que gostei tanto da tua crítica. Porque reflete exatamente a minha visão dele hoje: uma mitológica águia empalhada.
Também sou fã incondicional do Richie Havens. Vc deve ter percebido isso na leitura de "Albatroz".
Joel Macedo

Eu achei essa crítica tão formal, isenta de emoções, informativa... burocrática! Tão anos luz da proposta da RS! Lendo as duas anteriores e depois essa eu poderia acreditar que o crítico nem foi ao show...!! É só uma impressão...
Hilda

Eu achei as observações verossímeis e pertinentes. Uma crítica que primou pela objetividade, pela observação cirúrgica do fato - e às vezes isso vale mais do que torrentes de emoções...
Joel Macedo

Antonio, está excelente.
Eu li outras 2 criticas sobre o Dylan que seguiram na mesma linha, porem por outras vias.
Mas a combinação de voz rouca, com poucos classicos e desdem com o publico foi unanime.
Abraço
Diogo Salles

Águia empalhada
Ôpa, que legal!
Então o Antônio do Amaral Rocha também escreve no Digestivo do Júlio Daio... eu não sabia...
Perfeita a exposição dos três DVD's.
Aliás, em nota no scrap do Antônio eu lhe disse porque gostei tanto da sua resenha sobre o show do Dylan em Sampa que ele publiou no site da nova RS: disse que pra mim (e logo soube que pra Maria Valéria também), Bob Dylan já tinha virado peça de museu - e isso não é pejorativo de maneira alguma, já que peças de museu costumam ser bonitas, lindas mesmo!
Disse também que a resenha dele me confirmou a imagem que eu tenho do Dylan de hoje: a de uma ave empalhada - ou melhor, de uma majestosa e mitológica ÁGUIA EMPALHADA.
A resenha do Antônio Rocha na RS me confirmou essa imagem.
Joel Macedo

Também estou aguardando "I'm not there". (Veja o post abaixo "Três vezes Bob Dylan" também publicado no Digestivo Cultural)
Quem, além de um mito, de uma lenda, de um "generation heroe", poderia inspirar um filme como esse? E três documentários como os citados no artigo?
Joel Macedo

Oi Antonio, tudo bem? Vi seus posts na comunidade de Joel e na página dele. Sou amiga de Sérgio, e agora de Joel tb. Já li tudo sobre Bob Dylan na comunidade de Joel e postei lá matéria fresquinha, de agorinha, sobre o show de ontem. http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=26722261&tid=2587650532460006514&na=4
A julgar pelas matérias que li, ter seguido a minha intuição e não ter ido aos shows foi bom, fui salva da decepção. Assim como o Sérgio e você, e acho que como Joel tb, eu prefiro o Bob Dylan dos LPs todos que tenho aqui em casa! Aquele sim é o meu ídolo, com aquele Dylan eu vibrava. De forma alguma quero aqui criticar a maneira de ser dele, cada um na sua, e ele já mais idoso merece todo o nosso respeito, mas, o que quero dizer é que eu fui e sou fã do Bob Dylan dos 'old times', eu gosto mais da musica dele tocada e cantada como dantes. É isso, e continuo super fã dele! Beijos. Maria Valéria

Obrigada por responder, legal que tenhamos a mesma opinião sobre o ídolo Dylan, Joel também já respondeu ao meu scrap! Eu me preocupo em não desmerecê-lo, ele é um super ídolo, sou super fã, só não acho que ele seja mais aquele 'tcham' como astro para mim, prefiro escutar meus discos e ver DVDs. Mas, ele continua a balançar o meu coração!Que bom, visitei o 'Digestivo Cultural' ontem, mas, por outra via, agora adicionei-o aos meus favoritos em meu blog, já que você está lá. Bom domingo, em paz! Beijos. Maria Valéria

3.2.08

Não precisa dizer mais nada!

Por Antônio do Amaral Rocha

Mas é necessário dizer sim. O ano: 1973. A Philips/Poligram promoveu um show chamado Phono 73 para divulgar seu artistas. Chico Buarque e Gilberto Gil compuseram "Cálice" especialmente para essa noite. Só não sabiam que não poderiam cantá-la! Mas como os órgãos de repressão mandaram desligar o som no momento exato da apresentação? Quem avisou? Será que os arapongas estavam trabalhando também na mesa de som do show? Quem avisou a censura de que tal música, com tal letra seria apresentada? A música era inédita até aquele momento... Como eles poderiam saber? Respostas que ninguém dá e nunca foi dada. Aliás, acho que nunca foi perguntado. Mas as imagens e o áudio do show estão aí agora disponíveis. "Apesar de você", apesar da barbárie daquela época. Não adianta, "o novo sempre vence". O novo, que acrescenta algo realmente novo, preserva o que é relevante do passado e o incorpora. Pode demorar, mas vence.

29.1.08

Mito e Música

Por Antônio do Amaral Rocha

Neste ano de 2008 o antropólogo Claude Lévi-Strauss, nascido de uma família judia, em 1908, em Bruxelas, na Bélgica completará 100 anos de vida e muito se falará das suas idéias que se valem do marxismo e do estruturalismo.

Considerado um dos grandes pensadores do século XX, Lévi-Strauss, formado na Universidade de Paris, tornou-se referência para os estudos da Antropologia. Estudou Filosofia, mas é a etnologia que ele considera sua verdadeira paixão intelectual.

Claude Lévi-Strauss fez parte da missão francesa que definiu os parâmetros de ensino da recém-fundada Universidade de São Paulo, onde lecionou Sociologia, de 1935 a 1939.
Aqui fez diversas expedições ao Brasil Central, estudos que estão registrados em Tristes Trópicos, publicados em 1955, que foi definidor para sua opção pela Antropologia.

Durante a Segunda Guerra Mundial Lévi-Strauss esteve exilado nos Estados Unidos e lá lecionou na década de 1950. De volta à França conviveu com o círculo intelectual de Jean-Paul Sartre e assumiu, em 1959, o departamento de Antropologia Social no Collège de France, onde ficou até se aposentar, em 1982. Suas idéias e métodos de análise da cultura influenciaram pensadores como Althusser, Roland Barthes, Jacques Lacan, Michel Foucault, Deleuze, Derrida e Jean Baudrillard e carregaram de novos sentidos as noções de raça, cultura, progresso e relações humanas, entre tantas outras.

Um dos temas, entre muitos, em que Lévi-Strauss se debruçou foi o das relações entre mito e música, assunto deste artigo, utilizando o método estruturalista, que definiu como “a procura por harmonias inovadoras”.

Para Lévi-Strauss, a relação entre mito e música se dá em dois aspectos: o primeiro, o da similaridade (que tem a mesma natureza), e o segundo, o da contigüidade (aquilo que está próximo, em contato).

O entendimento da relação de similaridade está ligado a uma idéia da percepção da totalidade, tanto do mito como de uma obra musical. Entende Lévi-Strauss que não é possível se apreender ou entender um mito sem se levar em conta os grupos de acontecimentos que fizeram deste mito um mito, mesmo que para isso sejam necessárias informações sobre os dife­rentes momentos da História que criaram tal mito. Com referência a uma obra musical, a sua leitura fragmentada também não é capaz de levar a sua apreensão, mas só uma leitura totalizante proporcionará o entendimento do seu significado.

A similaridade entre mito e música para Lévis-Strauss está na metáfora mito/partitura orquestral – partitura es­crita frase por frase – e só com uma leitura de sua totalidade será possível o entendimento do significado.

Mas só a relação de similaridade não é suficiente para explicar a aproximação do mito à musica. Diz Lévi-Strauss que o aspecto da similaridade só se sustenta se se considerar também a relação de contigüidade, que “dá a chave para este problema”. A idéia de contigüidade está aqui ligada à idéia de tempo histórico, quando, segundo ele, o pensamento mitológico passou para um segundo plano no Ocidente da Renascença e do século XVIII, quando “começaram a aparecer as primeiras novelas em vez de histórias ainda elaboradas segundo o modelo da mito­logia”. Constata-se também, nesse período, o aparecimento dos grandes estilos musicais que se tornaram características dos séculos seguintes (XVII, e principalmente os séculos XVIII e XIX). Lévi-Strauss toma como exemplo a tetralogia O Anel dos Nibelungos, do ciclo dramático de Wagner, que compreende as quatro óperas: O Ouro do Reno, As Valquírias, Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses, todas baseadas no tema da maldição ligados à posse do ouro e à renúncia do amor. Esclarecendo: em O Ouro do Reno a posse do ouro está ligada à renúncia a todo tipo de amor. Em As Valquírias o tema do amor aparece de forma incestuosa, portanto proibido. São temas musicais também comuns na mitologia.

Lévi-Strauss deduz que este exemplo já é o suficiente para se explicar a similaridade de método entre a análise do mito e a compreensão da música. Note-se o exemplo da sinfonia composta com um princípio, meio e fim; contudo não se entenderá nada desta sinfonia se não se apreciá-a como um todo. Isto é, cada fragmen­to ouvido tem que estar relacionado com o antes e com o depois, para que com a audição em conjunto se possa chegar a um perfeito entendimento. Também é assim a estrutura do mito no correr do tempo histórico.

O exemplo da fuga como foi formalizada por Bach é outro mo­mento onde Lévi-Strauss vê as relações de aproximação com o mito. “A história inventariada pelo mito é a de um grupo que tenta esca­par ou fugir de outro grupo de personagens”. A grosso modo, isto seria uma perseguição onde o grupo A (maus) e o grupo B (bons) tentassem se alcançar e se distanciassem como numa fuga/perseguição e a solução desta fuga seria a conjugação entre os dois grupos mitológicos, onde os conflitos entre os poderes de baixo e do alto, céu e inferno seriam colocados em confronto. “A solução mítica de conjugação é semelhante em estrutura aos acordes que resolvem e põem fim à peça musical”. Lévi-Strauss relaciona ainda outras estruturas musicais como a sonata, o rondó ou a tocata, que são formas não inventadas para si próprias, mas buscadas nas estruturas mitológicas.

Outra vertente comparativa de Lévi-Strauss, agora entre música e linguagem (de resto, responsável pela propagação do mito) está na linguística, onde os elementos básicos da linguagem são os fonemas que se combinam até formar as palavras e as palavras em frases. Na música há o correspondente aos fonemas que são as notas e às frases que são as combinações das diversas notas. Mas há a ausência das palavras. No mito também há o equivalente às palavras, às frases, mas falta o equivalente aos fonemas. “Há, portanto, em ambos os casos, um nível que falta.”

É possível então se buscar uma relação entre mito, linguagem e música. Para isso é necessário se partir sempre da linguagem, pois ambas se desenvolvem dela, mas se desenvolvem antes em diferentes direções: “a música destaca os aspectos do som já presentes na linguagem, enquanto a mitologia sublinha o aspecto do sentido, o aspecto do significado, que também está profundantente presente na linguagem”.

Lévi-Strauss afirma que este tipo de paralelismo, através da similaridade e da contigüidade, entre mito e música só é possível levando-se em conta a música ocidental tal como ela se desenvolveu nos últimos séculos. Os exemplos apre­sentados desenvolvem idéias que são perfeitamente sustentáveis, independente das resistências que se possa ter com o método estruturalista de análise.

Para ir além: LÉVI-STRAUSS, Claude. “Mito e Música”. In Mito e Significado, Lisboa, Edições 70.