Chico Buarque
Biscoito Fino
por Antônio do Amaral Rocha
Cercado por uma campanha de marketing e divulgação até então inédita no universo da música popular brasileira este Chico é de uma aparente simplicidade franciscana, para ficar no trocadilho fácil. Mas o que importa num novo disco de Chico? Cumpre investigar para quem ele fala. Sabe-se que este artista fundamental da música brasileira trabalha com heterônimos, ora assumindo o papel feminino no eu lírico, dando voz aos reclamos da mulher, ora se expressando como um malandro, em temas de amor e coisas do cotidiano e, outras vezes, sendo ele mesmo, o poeta, compondo como um observador das mazelas brasileiras. E, grosso modo, estas três personas falam para três públicos distintos que aprenderam a admirá-los nestes quase 50 anos de carreira. Estes públicos se compõem, primeiro, das mulheres que acham que tudo o que Chico faz é genial e veem nele um ideal de figura masculina. A isto se soma o público masculino que vê nas coisas do Chico uma obra séria e finalmente um público misto masculino e feminino que é uma soma das duas hipóteses anteriores. Mas, e o lugar do jovem na galeria das pessoas que admiram Chico? Presume-se que esta parcela conheça as obras do compositor através dos discos dos pais. Nesse caso, a espera por um disco novo de Chico se dá nesse seu público já solidificado. E Chico não tem sido muito generoso. O seu último trabalho, o disco Carioca é de 2006. Nos intervalos o artista faz literatura (e também teatro) e nesse campo já investiu bastante e vem ocupando um lugar que é cada vez mais seu. Isso não é novo como se depreende da lista de livros já publicados, começando por A Banda, songbook e crônicas (1966) até Leite Derramado, romance (2009), num total de 12 livros entre teatro e romance. E quanto mais se envolve com a literatura, mais provoca polêmica, como a que se deu em 2010, com o prêmio Jabuti que ganhou com Leite Derramado, enfrentando até uma petição on-line capitaneada pela direita ressentida, para devolver o prêmio. E nesse ano Chico ainda ganhou o prêmio Portugal Telecom com a mesma obra. Esse é um universo em que Chico caminha sozinho, músico de renome, que também faz forfait no fechado universo da literatura.
O CD, de exatos 30 minutos, apresenta uma capa em preto e branco, com a foto do artista e no verso do pack um mar/rio nas mesmas cores. Seria uma referência ao Velho Chico (o rio), um paralelo com o Chico artista já também um provecto senhor de 67 anos? O encarte, apesar de colorido, lembrando as cores Google, não apresenta imagens, uma economia de elementos que pretende não chamar atenção para mais nada, além das letras e da ficha técnica. E quem está ao lado de Chico? Ele prefere se cercar de músicos que já o acompanham há anos, diferente, por exemplo, de Caetano Veloso que tem se cercado de jovens músicos, de Gil que está sempre buscando a inovação, ou mesmo de Milton Nascimento, que retornou à sua mítica Três Pontas e lá se enturmou com a rapaziada, num retorno a um imaginário clube da esquina.
Chico, que faz parte deste quarteto de ferro na MPB, não arrisca nesse quesito e o que apresenta como música também reflete essa escolha. O artista assume o passar dos anos. E não tem como comentar o conteúdo do CD, a não ser fazendo uso da intertextualidade, já que a palavra cantada é tão importante quanto a roupagem sonora que a acompanha. A primeira música, "Querido Diário", é uma espécie de "Cotidiano". Nesta, o poeta se relacionava com uma mulher ("todo dia ela faz tudo sempre igual" e valia à pena) e hoje caminha só pelas ruas e topa "amar uma mulher sem orifício", abrindo mão do "odore di femmina". A segunda faixa, "Rubato", termo italiano do universo do canto, em que o intérprete atrasa o tempo e compensa mais à frente, trata da questão do plágio e identidade da autoria, é dedicada a várias musas (Aurora/Amora/Teodora) e é a mais tradicional, na forma musical, de todo o disco (uma marcha) com acompanhamento que remete a uma banda de coreto, com destaques para os sopros, tuba, trumpete, clarinete, sax e flautas.
"Essa Pequena", um semiblues, reafirma o tema da velhice, relatando a relação de um senhor de "cabelos cinzas" com uma jovem de "cabelos cor de abóbora". Chico viu o filme Corra Lola Corra. O universo das relações apaixonadas, talvez interesseira por parte dela, aponta para um possível sofrimento. O homem velho sabe que vai quebrar a cara: ele quer ir "até a esquina", "ela quer ir para a Flórida". Desilusão à vista e assume que só por ela ter se tornado musa por um tempo "o blues já valeu a pena".
Em "Tipo um Baião" o que ressalta é a ironia da letra. O uso da linguagem mequetrefe do universo pós-adolescente, "diz que está tipo a fim", "igual que nem", dá o tom e realça o abismo de universos culturais, "logo você que ignora o baião". Como fundo apresenta também a diferença de idade como uma impossibilidade. E as referências à própria música, a metamúsica, música falando da música e suas referências também aparece como um reforço, "tipo um baião de Gonzaga". É a única música do CD que tem uma guitarra nos acompanhamentos e o último acorde, distorcido, em fade-in, é justamente o da guitarra, o que não deixa de causar estranhamento.
Como o repertório era curto, Chico não quis "desperdiçar canções" e regravou junto com Thais Gulin "Se Eu Soubesse", já presente no disco dela, ôÔÔôôÔôÔ (2011), como uma versão do autor. Trata-se de um desabafo da mulher, e aqui o eu lírico é o feminino, ao dizer "Ah, se eu pudesse não caía na tua... e aí, larari, lairiri, por aí", como querendo dizer: "te conheci, daí fudeu!". Reafirma algo bastante caro ao poeta que é o cenário do Rio de Janeiro: "não olhava a lagoa, não ia mais à praia". E o uso de "na boa" aproxima o poeta da linguagem das ruas. A novidade é a presença da harpa de Cristina Braga nos acompanhamentos.
O universo jobiniano se faz presente em "Sem Você 2" para marcar uma ausência. A tristeza pela falta da musa, do tempo bom que ficou para trás. É o relato da solidão, que de tão presente faz o poeta ouvir nuvens (o poeta parnasiano ouvia estrelas). Mas também pode ser a ausência das músicas do mestre Jobim, "as suas músicas você levou" que o entristece. "Sem Você" é originalmente um tema de Jobim.
Cercando-se dos seus amigos veteranos, Chico divide com Wilson das Neves os vocais em "Sou Eu", uma parceria com Ivan Lins, também não-inédita. É um samba de gafieira já gravada por Diogo Nogueira no disco Tô Fazendo a Minha Parte (2009). Nesta, o poeta está cheio de si, pois apesar da sua acompanhante flertar com todos no salão é ele que vai comê-la: "quem vai lhe apagar a brasa, quem brinca na área sou eu", diz o alter-ego malandro.
A valsa "Nina", uma musa distante de Moscou, desvenda a relação do poeta com a tecnologia das redes sociais, o tema moderno do CD. "Nina diz que se quiser eu posso ver na tela, a cidade, o bairro, a chaminé da casa dela". Neste caso, apesar do autor se declarar avesso às modernidades aqui ele se trai e por trás do relato estão as mensagens dos e-mails, Google Maps e os relacionamentos virtuais. A sanfona domina o acompanhamento e o fecho com um acorde dramático de piano reforça o tema da solidão.
Uma certa confusão mental na lembrança das musas Aurora, Aurélia, Ariela, Glorinha, Maristela, Soraia, Anabela em "Barafunda" e o clima de carnaval, futebol, "saia amarela", "bandeiras vermelhas", lembra a ressaca alegre de "Pelas Tabelas", que se referia à possibilidade de aprovação das Diretas Já em 1984, mas aqui é uma recordação de um tempo bom que passou. Ainda assim, a mente está liberta das pressões e o poeta embaralha os fatos, lembra dos acontecimentos coletivos, numa exaltação à memória. "E salve este samba antes que o esquecimento baixe o seu manto", diz, e é, de longe, o tema mais alegre e para cima do CD, apesar do acento nostálgico.
E o trabalho se fecha com "Sinhá", em parceria com João Bosco. É o relato das agruras da escravidão sob o ponto de vista do escravo que quer se livrar de uma punição pelo fato de ter visto a Sinhá nua. A presença do violão magistral de João Bosco e as percussões dão o clima soturno/lírico deste afro-samba. E se este Chico é todo em preto e branco a partir da capa, esta canção reforça e reitera essa ideia. O poeta se revela e se assume como porta-voz: "e assim vai se encerrar / o conto de um cantor / com voz do pelourinho / e ares de senhor".
E como situar o disco de Chico no atual panorama da música? Talvez a chave esteja nas palavras do alter ego malandro: "quem manda no samba sou eu". Quem manda faz o que quer, mas, mesmo assim Chico atende ao seu público fiel.
9.8.11
19.10.10
14.9.10
MIMO - Mostra Internacional de Música em Olinda
Por Antônio do Amaral Rocha
Na foto, show de Mike Stern e Trio (foto de AARocha)
Nos links você terá acesso às duas matérias que escrevi para a Rolling Stone:
http://www.rollingstone.com.br/secoes/novas/noticias/festival-superlativo/
http://www.rollingstone.com.br/secoes/novas/noticias/maratona-musical/
http://www.rollingstone.com.br/secoes/novas/noticias/festival-superlativo/
http://www.rollingstone.com.br/secoes/novas/noticias/maratona-musical/
Na foto, show de Mike Stern e Trio (foto de AARocha)
12.3.10
Um Morcego na Porta Principal
Por Antônio do Amaral Rocha
Maldito é o sistema!
Documentário sobre Jards Macalé
Dirigido por Marco Abujamra e João Pimentel
Imagine-se esta cena: o personagem interpela o diretor: “vocês vão fazer sozinhos essa história? Eu posso processá-los se eu não gostar! Uma catástrofe. Vocês podem desconstruir tudo o que eu construí. A vida, a minha própria vida pessoal.” Esta sequência, pura boutade e provocação, atende à fama de perseguido que ronda a biografia de Jards Anet da Silva, o Macalé. Vencedor do prêmio especial do júri no Festival de Cinema do Rio, em 2008, Um Morcego na Porta Principal retrata através de entrevistas e depoimentos de amigos, entre eles, Jaguar, Nelson Motta, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Paulinho da Viola, Nelson Pereira dos Santos, Luís Melodia, José Celso Martinez Correa, Chacal e Abel Silva, o perfil de um dos mais inventivos criadores no panorama da música brasileira, autor das emblemáticas “Vapor Barato”, “Movimento dos Barcos” e “Gothan City”. Estas parcerias com Wally Salomão e Capinam são canções que refletem tempos sombrios. A ausência do depoimento do “parceiro” Caetano Veloso de tão descarada soa muito significativa. Por que será? Digno de nota é o depoimento de Zé Celso: “Macalé é um semideus, maldito é o sistema”.
Publicado na revista Rolling Stone, n. 42, março de 2010, p. 126
É o caso de se perguntar...
O que um garoto de 24 anos fazia com uma pistola 7.65 nas mãos? Seria ele o dono desta arma? Não houve o desarmamento? É o caso de se cobrar mais uma vez da Secretaria e Segurança Pública, e por tabela, do Governo do Estado, o total descaso com a segurança das pessoas que vivem nesta cidade e neste Estado. A responsabilidade pela segurança dos cidadãos é um dever do Estado e ponto final. Estou extremamente chocado e intristecido com a perda do Glauco e seu filho. Acompanho o trabalho do Glauco desde 1977... Ninguém merece! E tenho a certeza que lamentar só não resolve nada!
9.1.10
15.7.09
Rio das Ostras Jazz & Blues Festival 2009
Uma celebração às vertentes contemporâneas
Lagoa do Iriri, Praia da Tartaruga e Costa Azul (10 a 14 de junho)
Por Antônio do Amaral Rocha
A crise econômica provocou o cancelamento de diversos festivais de jazz e blues pelo mundo, mas o Rio das Ostras Jazz & Blues Festival, por obra do incansável produtor Stenio Mattos e curadoria do bluseiro Big Joe Manfra, foi mantido e nesta sétima edição apostou numa programação não purista, privilegiando o fusion. Seis atrações nacionais e seis internacionais foram assistidas, nos três palcos, por uma média de 15 mil pessoas por dia, resultando em incríveis 75 mil presenças durante o festival. Segundo o prefeito Carlos Augusto informou em coletiva, todos os hotéis e pousadas das cidades e redondezas do litoral fluminense foram ocupados.
Pelo lado brasileiro apresentou-se a dupla de violonistas, Luiz Bueno e Fernando Mello, o Duofel, mais o percussionista Fábio Pascoal. O Duofel é o que se pode chamar de salada sonora. Seu som tem ecos de Led Zeppelin até a viola nordestina. A versão que fizeram de “Casa Forte” (Edu Lobo) foi arrepiante. Do quarteto do organista Hammond B3 Ari Borger destacou-se o excelente guitarrista Celso Salim.
O gaitista Jefferson Gonçalves fez uma interessante ponte entre o blues e a música nordestina e mostrou onde o rio Mississipi e o rio Capiberibe se encontram, numa fusão naturalíssima, e ainda reservou uma surpresa: a presença do baixista-mirim Michael “Pipoquinha”, que se tornou o queridinho do festival. O quinteto Paul Brasil do pianista Nelson Aires, que, há mais de 25 anos, é excelência na música instrumental brasileira permitiu que o violão de Paulo Belinati brilhasse. A diversão ficou por conta da Big Time Orquestra, de Curitiba, formada por 12 elementos e seu neoswing, baseados em releituras bem-humoradas de rock and roll.
Das seis atrações internacionais, o blues clássico ficou por conta de John Hammond e quarteto e, afora o pop-latin-jazz dançante do Spyro Gyra, com destaque para o baterista Bonny B., as outras celebraram a tendência fusion do jazz e do blues.
O quarteto Rudder fez um show com distorções no baixo e saxofone, um verdadeiro laboratório de experimentações. Destaque para o baixista Tim Lefebvre. A banda do guitarrista Coco Montoya fez um show chapante, dedicando 12 minutos à lisérgica balada “Good Days”.
O tecladista Jason Miles num tributo a Miles Davis recriou os seus temas, tentando mostrar o caminho que a música de Davis seguiria se ainda estivesse vivo.
E finalmente, a grande surpresa: The Bad Plus (foto), trio formado por baixo, piano e bateria que recriou em jazz temas conhecidos, interpretados pela cantora Wendy Lewis, como “Comfortably Numb”, do Pinky Floyd. Um show para não esquecer tão cedo.
Lagoa do Iriri, Praia da Tartaruga e Costa Azul (10 a 14 de junho)
Por Antônio do Amaral Rocha
A crise econômica provocou o cancelamento de diversos festivais de jazz e blues pelo mundo, mas o Rio das Ostras Jazz & Blues Festival, por obra do incansável produtor Stenio Mattos e curadoria do bluseiro Big Joe Manfra, foi mantido e nesta sétima edição apostou numa programação não purista, privilegiando o fusion. Seis atrações nacionais e seis internacionais foram assistidas, nos três palcos, por uma média de 15 mil pessoas por dia, resultando em incríveis 75 mil presenças durante o festival. Segundo o prefeito Carlos Augusto informou em coletiva, todos os hotéis e pousadas das cidades e redondezas do litoral fluminense foram ocupados.
Pelo lado brasileiro apresentou-se a dupla de violonistas, Luiz Bueno e Fernando Mello, o Duofel, mais o percussionista Fábio Pascoal. O Duofel é o que se pode chamar de salada sonora. Seu som tem ecos de Led Zeppelin até a viola nordestina. A versão que fizeram de “Casa Forte” (Edu Lobo) foi arrepiante. Do quarteto do organista Hammond B3 Ari Borger destacou-se o excelente guitarrista Celso Salim.
O gaitista Jefferson Gonçalves fez uma interessante ponte entre o blues e a música nordestina e mostrou onde o rio Mississipi e o rio Capiberibe se encontram, numa fusão naturalíssima, e ainda reservou uma surpresa: a presença do baixista-mirim Michael “Pipoquinha”, que se tornou o queridinho do festival. O quinteto Paul Brasil do pianista Nelson Aires, que, há mais de 25 anos, é excelência na música instrumental brasileira permitiu que o violão de Paulo Belinati brilhasse. A diversão ficou por conta da Big Time Orquestra, de Curitiba, formada por 12 elementos e seu neoswing, baseados em releituras bem-humoradas de rock and roll.
Das seis atrações internacionais, o blues clássico ficou por conta de John Hammond e quarteto e, afora o pop-latin-jazz dançante do Spyro Gyra, com destaque para o baterista Bonny B., as outras celebraram a tendência fusion do jazz e do blues.
O quarteto Rudder fez um show com distorções no baixo e saxofone, um verdadeiro laboratório de experimentações. Destaque para o baixista Tim Lefebvre. A banda do guitarrista Coco Montoya fez um show chapante, dedicando 12 minutos à lisérgica balada “Good Days”.
O tecladista Jason Miles num tributo a Miles Davis recriou os seus temas, tentando mostrar o caminho que a música de Davis seguiria se ainda estivesse vivo.
E finalmente, a grande surpresa: The Bad Plus (foto), trio formado por baixo, piano e bateria que recriou em jazz temas conhecidos, interpretados pela cantora Wendy Lewis, como “Comfortably Numb”, do Pinky Floyd. Um show para não esquecer tão cedo.
17.12.08
ARRIGO FALA
por Antônio do Amaral Rocha
Arrigo Barnabé, citado por Caetano Veloso na música “Língua”, diz que não tem nada a ver com a MPB, mas seu trabalho caminha nesse estreito limite entre o popular e o erudito. Seu nome está associado a uma vanguarda musical que apareceu em São Paulo no início da década de 80. É o que se pode ouvir em Clara Crocodilo – Arrigo Barnabé e Banda Sabor de Veneno (1980), Tubarões Voadores (1984), Cidade Oculta – trilha sonora (1986), Suspeito (1987), Façanhas (1992), Ed Mort – trilha sonora (1997), Gigante Negão (1998), A Saga de Clara Crocodilo (1999), Missa in Memorian – Arthur Bispo do Rosário (2004), Coletânea 25 Anos de Clara Crocodilo (2004) e Missa in Memoriam – Itamar Assumpção (2006).
Em 2008, lançou o CD Arrigo Barnabé e Paulo Braga, ao vivo em Porto, gravado em 2004, num único show naquela cidade portuguesa. Além disso, tem se aventurado por outros caminhos, como o programa de rádio que apresenta, uma vez por semana, na Rádio Cultura FM de São Paulo.
Você vê alguma diferença entre seu trabalho autoral e a trilha sonora para cinema que tem a característica de ser dirigida?
Quando você faz trilha sonora você trabalha como um colaborador, é um trabalho de colaboração com outra equipe. O trabalho com cinema é um trabalho todo de equipe, o diretor define no fim das contas, mas o trabalho é coletivo. Eu converso muito com o montador, que agora chama editor, e com o editor de som. Essas pessoas são muito importantes. A não ser que o diretor do filme diga “faça o que você quiser”, isso nunca aconteceu comigo, você vai ter que se adaptar ao que ele quer, tentar entender o que ele quer. É como se fosse uma arte aplicada. Eu gosto muito de fazer, porque a gente é desafiado a encontrar soluções para uma série de problemas que aparecem pela proposta estética do filme, pela cabeça do diretor, pelo pensamento do montador de som, do cara que está colocando a ruidagem, então é muito interessante, inventivo e muito legal. Estimulante.
Neste ano você esteve envolvido com o programa de artista residente da Unicamp. Como foi este trabalho?
Desenvolvemos lá o projeto Salão de Beleza. Eu passei 2008 indo duas vezes por semana à Unicamp. Eu tinha duas turmas de alunos da área de música erudita e uma turma da área de música popular. Com essas pessoas eu desenvolvi um trabalho de criação. São alunos muito bons, de muita qualidade. Eu tentei aproximá-los da idéia da performance. Eu senti que eles estão muito preparados, mas eu pensava: “onde esses caras vão tocar, meu deus”? Os caras, tocando desse jeito pra ficar tocando num bar? E comecei a pensar no problema que eles iriam enfrentar.
Que é o mesmo problema que você também enfrenta?
Sim, mas eu já sou um cara mais conhecido e eles pra conseguirem esse espaço terão que arrumar uma maneira mais imediata de entrar em contato com o público. E a performance sempre serviu pra isso. Então começamos a estudar a história da performance a partir de Alfred Jarry, quando fez o Ubu Rei, passando pelos dadaístas, pelo John Cage. Vimos como a gente consegue chegar mais ao público diretamente. Comentamos muito esse problema que a música erudita e a música popular mais elaborada sofre, por causa da incomunicabilidade, como conseguiremos resolver esse problema da incomunicabilidade e fazer aquilo que a sociedade está esperando, lógico que inconscientemente, que seja discutida pelos artistas. Eu acho que essa questão da busca da perfeição através da intervenção no corpo, da plástica, todo esse delírio consumista, isso é uma coisa que a sociedade quer discutir, por isso eu propus que a gente fizesse um trabalho em cima da idéia ao salão de beleza. Uma das histórias que eu desenvolvi com o pessoal de música popular começa assim: “Tudo começou quando Dona Narcisa levou o pequeno Kan ao seu local de trabalho. “Mamãe, mamãe, é aqui que você trabalha?” “É meu filho, é aqui que a mamãe trabalha.” “Mas o que você faz mamãe?” “Ah, a mamãe faz as pessoas ficarem mais belas”. E o menino começa a ficar obcecado pela beleza, mas ele descobre que a beleza tem um preço. Ele acompanha uma pessoa sendo depilada e vê que dói. Mas ele vai ficando obcecado e se torna um cirurgião plástico. Então é uma história dividida em quatro partes, cada grupo escreveu a música de uma parte. Eu acho muito interessante, a molecada estudante de 22, 23 anos... Tem encenação, tem pessoal de teatro, de dança envolvido, pessoal de artes visuais, os professores de iluminação, cenografia. É uma coisa profissional.
Arrigo, você lançou Arrigo Barnabé e Paulo Braga, ao Vivo, em Porto. É evidente que para um concerto só de pianos você teve que fazer uma redução dos arranjos, pensando no que colocaria no lugar de alguns instrumentos. A referência pop que as sua criações apresentam ficaram ausentes.
Sem baixo e bateria já fica uma coisa mais erudita.
Mas essa expectativa de um concerto erudito é quebrada quando aparecem as vozes.
Esse trabalho eu já estava fazendo em 1992. Eu apresentei na Sala Guiomar Novaes na Funarte. Nesse período eu já trabalhava com o Paulo Braga que já tocava comigo há uns 5 anos. Eu falei: “Paulo vamos fazer um duo de pianos”. Ele topou e eu fiz a redução das partituras para dois pianos, com o material do Clara, Office boy, tem vários materiais nesse disco que eu não usava nas versões para banda e começamos a nos apresentar. Pra você fazer um trabalho com banda fora de São Paulo, é passagem, transporte, tudo isso, e as pessoas me chamavam e me pediam sempre uma formação menor. Isso também foi um dos motivos para eu criar um duo. O ideal sempre foi fazer com piano acústico, mas raramente a gente tem oportunidade aqui no Brasil de ter uma sala com dois pianos acústicos. A gente fazia com dois elétricos, ou então com um acústico e um elétrico e começamos a trabalhar... fizemos muita coisa fora do Brasil e pensamos: “vamos registrar isso uma hora, ir pro estúdio e tal”. Quando fomos tocar em Porto não pensávamos em fazer o CD. Fomos pra lá convidados pelo Ricardo Paes que é um encenador português muito importante e também diretor do teatro Nacional São João, que me convidou para fazer o encerramento do festival de teatro de língua portuguesa, em 2004, e eu queria uma formação pequena. Tinha o duo, pensei, “vamos com o duo” e o Teatro Nacional tinha condições muito boas, uma estrutura ótima com dois pianos de cauda inteira, o equipamento de som deles, de amplificação e o técnico de som é espetacular. Fizemos um show muito legal.
Foi um show só e vocês resolveram gravar?
Um show só, numa noite e depois de um tempo o pessoal do teatro mandou pra gente o registro, que é uma coisa que eles fazem com todos os artistas que se apresentam lá. Quando recebemos vimos que estava muito bom, a gente está improvisando bastante, esse tempo todo trabalhando a gente improvisa muito. Daí ficamos com isso guardado.
E o programa foi maior do que está registrado no CD?
Bem maior, ficamos com o registro guardado, e este ano encontrando o Wilson Souto, que é o diretor da Atração e antigo criador do Lira Paulistana, no meu programa de rádio na Cultura FM aconteceu... Ele foi lá para falar sobre o Lira e daí comentamos o fato de eu nunca ter tocado no Lira Paulistana, pois na época eu tinha uma banda enorme e não cabia naquele palquinho. Se eu tivesse um duo na época com certeza teria feito. Daí ele me convidou: “vamos fazer a sua discografia”. Achei maravilhoso, ótimo. Daí conversamos: “o que a gente começa a fazer?” Eu falei do material inédito, gravado em Portugal, em 2004, com a equipe de lá: “e eu acho que o som está muito bom e veja o que acha, se vale a pena, se está tecnicamente legal, você entende disso mais do que eu”. Em seguida, eu o Paulo fizemos a seleção das faixas e mandamos para ele. Ele achou que estava adequado e que poderíamos lançar. É um material inédito, uma versão que ainda não existia, onde as pessoas podem ouvir o esqueleto da música, meio assim voyeur auditivo, como aquele cara que gosta de espiar. Essa é a história.
O público de Portugal já conhecia o seu trabalho inventivo feito anteriormente?
Fiquei sabendo que algumas pessoas foram de Lisboa para Porto para assistir. Viajaram 400 quilômetros para me assistir! Tinha uma parte do público que me conhecia. E o Ricardo Paes que me programou assistia meus concertos aqui no Brasil em 1980, com a Banda Sabor de Veneno, antes de eu gravar o Clara Crocodilo e ele não se esqueceu disso.
No CD, a faixa “Cidade Oculta” é a mais melódica e tem uma interpretação pungente. È uma valsa, se bem que desconstruída, não é uma coisa tão comum como uma valsa banal.
É, ela tem uns caminhos harmônicos complicados.
Notei que o canto é feito em cima de cada nota.
Isso é porque eu sou um mau cantor. É verdade, eu tenho que tocar a nota pra afinar.
Já li alguma coisa que você disse nesse sentido. O que eu notei é que cada nota é marcada por uma palavra ou por uma sílaba, ela é bem marcada nesse sentido.
É verdade. Essa música é uma parceria com o Gudin e a letra maravilhosa é do Roberto Riberti.
Lembra-me um pouco o que o Zé Miguel Wisnik está fazendo hoje.
Pois é, essa música é de 1984 e começou inspirada numa peça do Michel Legrand.
A idéia que passa é que ela está sendo executada num bar enfumaçado, esse é o clima.
Essa música tem a ver com o Blade Runner. Na época a gente tinha assistido “milhares” de vezes e eu falei pro Riberti, ele foi ver e adorou. Você vê que a letra fala de andróide, holograma. Quando eu mostrei pro Chico Botelho que estava começando a filmar Cidade Oculta, eu falei “acho que essa música é a cara do filme”, e ele gostou e quis saber o nome. Eu disse “Rachel”, o nome daquela replicante que no final termina com o Harrison Ford. Eu disse: “mas é claro que dá pra ser Cidade Oculta, ela fala em cidade, cidade que só chovia, e lembra Blade Runner, onde só chovia”. E daí a música entrou na trilha sonora.
Você abandonou essa idéia de ter um projeto que esteja inserido dentro da chamada MPB?
Eu não sou MPB. Parece que eu tinha esse projeto nos discos, mas tinha, na verdade, uma confusão na minha cabeça.
No disco Suspeito de 1984...
O Suspeito é um disco voltado na tentativa de ganhar dinheiro, uma tentativa de se ter uma espécie de saúde econômica, mas não consegui, não adiantou nada, quero dizer, até que me permitiu... têm várias canções ali que dá pra apresentar em show solo, que dá pra tocar e cantar sozinho num bar.
Por mais que queira, e nem sei se quer, você não é um músico com esse perfil erudito clássico. Você pode ir tocar num bar.
De vez em quando eu apareço num bar pra dar uma canja, mas eu toco muito pouco em bar atualmente.
Mas eu estava falando do seu perfil, você pode ir para um bar, para Sala São Paulo se alguém convidar....
Ah, posso... Eu vou fazer o Teatro Municipal.
Televisão, acho um pouco difícil...
É mais complicado. Eu gosto mesmo é de rádio.
Está nos seus planos mostrar esse Cd em shows aqui no Brasil?
Veja, esse é um trabalho que eu estava fazendo há bastante tempo e esse CD é um meio de divulgá-lo, porque, com as pessoas ouvindo o registro, a gente pode fazer mais shows.
Com relação aos seus discos anteriores, os vinis, todos já foram lançados em CDs?
Ainda não, Suspeito e o Cidade Oculta ainda não saíram, mas agora o Wilson Souto quer lançar a minha discografia completa incluindo as duas missas que eu escrevi em memória do Bispo do Rosário e do Itamar Assunção.
Uma observação sobre o que está registrado no CD Ao Vivo em Porto. Elas me parecem obsessivas no sentido da repetição, de buscar...
Você ouviu bem, então. É um barato, é gostoso fazer isso. É um negócio meio de transe, meio hipnótico, você entra num estado... é muito legal o que acontece no palco.
Eu notei que tem uma busca pela repetição...
Pela redundância.
Mudando de assunto, fazer Tv está nos seus planos?
Sabe, eu não gosto de fazer TV. Eu gosto de fazer rádio. Eu tenho um programa de rádio. Eu fiz um programa com um violonista erudito e é claro toquei música erudita de violão, mas também fiz um programa com o Gil Gomes, que ficou encantado com o jeito do programa.
Gil Gomes tem a ver com a narrativa do Clara...
Tem a ver, claro. Fiz um programa com o Zé do Caixão. As músicas que aparecem no programa tem a ver com o entrevistado. Tem uma seqüência no programa que faz parte de uma investigação sobre o gosto. O que eu faço? Eu pego uma música, geralmente do século XX, que tenha um grau de estranheza bem elevado e vou para lugares inusitados, faço as pessoas ouvirem e gravo o que as pessoas estão sentindo quando estão ouvindo aquilo. Por exemplo, fui até os ambulantes em volta do Teatro Municipal, fui na cooperativa dos catadores de lixo, no clube dos jogadores de xadrez. Gravo as reações das pessoas. Em cada programa eu mostro uma peça importante do repertório do século XX. Já vistoriamos as grandes obras o século XX de música contemporânea, incluindo algumas coisa de música popular como o Frank Zappa, coisas do Moacir Santos, do Itamar Assunção e até o Clara Crocodilo, Valter Franco, mas enfim, isso é inserido no programa e no final eu faço comentários sobre essas peças.
Arrigo Barnabé, citado por Caetano Veloso na música “Língua”, diz que não tem nada a ver com a MPB, mas seu trabalho caminha nesse estreito limite entre o popular e o erudito. Seu nome está associado a uma vanguarda musical que apareceu em São Paulo no início da década de 80. É o que se pode ouvir em Clara Crocodilo – Arrigo Barnabé e Banda Sabor de Veneno (1980), Tubarões Voadores (1984), Cidade Oculta – trilha sonora (1986), Suspeito (1987), Façanhas (1992), Ed Mort – trilha sonora (1997), Gigante Negão (1998), A Saga de Clara Crocodilo (1999), Missa in Memorian – Arthur Bispo do Rosário (2004), Coletânea 25 Anos de Clara Crocodilo (2004) e Missa in Memoriam – Itamar Assumpção (2006).
Em 2008, lançou o CD Arrigo Barnabé e Paulo Braga, ao vivo em Porto, gravado em 2004, num único show naquela cidade portuguesa. Além disso, tem se aventurado por outros caminhos, como o programa de rádio que apresenta, uma vez por semana, na Rádio Cultura FM de São Paulo.
Você vê alguma diferença entre seu trabalho autoral e a trilha sonora para cinema que tem a característica de ser dirigida?
Quando você faz trilha sonora você trabalha como um colaborador, é um trabalho de colaboração com outra equipe. O trabalho com cinema é um trabalho todo de equipe, o diretor define no fim das contas, mas o trabalho é coletivo. Eu converso muito com o montador, que agora chama editor, e com o editor de som. Essas pessoas são muito importantes. A não ser que o diretor do filme diga “faça o que você quiser”, isso nunca aconteceu comigo, você vai ter que se adaptar ao que ele quer, tentar entender o que ele quer. É como se fosse uma arte aplicada. Eu gosto muito de fazer, porque a gente é desafiado a encontrar soluções para uma série de problemas que aparecem pela proposta estética do filme, pela cabeça do diretor, pelo pensamento do montador de som, do cara que está colocando a ruidagem, então é muito interessante, inventivo e muito legal. Estimulante.
Neste ano você esteve envolvido com o programa de artista residente da Unicamp. Como foi este trabalho?
Desenvolvemos lá o projeto Salão de Beleza. Eu passei 2008 indo duas vezes por semana à Unicamp. Eu tinha duas turmas de alunos da área de música erudita e uma turma da área de música popular. Com essas pessoas eu desenvolvi um trabalho de criação. São alunos muito bons, de muita qualidade. Eu tentei aproximá-los da idéia da performance. Eu senti que eles estão muito preparados, mas eu pensava: “onde esses caras vão tocar, meu deus”? Os caras, tocando desse jeito pra ficar tocando num bar? E comecei a pensar no problema que eles iriam enfrentar.
Que é o mesmo problema que você também enfrenta?
Sim, mas eu já sou um cara mais conhecido e eles pra conseguirem esse espaço terão que arrumar uma maneira mais imediata de entrar em contato com o público. E a performance sempre serviu pra isso. Então começamos a estudar a história da performance a partir de Alfred Jarry, quando fez o Ubu Rei, passando pelos dadaístas, pelo John Cage. Vimos como a gente consegue chegar mais ao público diretamente. Comentamos muito esse problema que a música erudita e a música popular mais elaborada sofre, por causa da incomunicabilidade, como conseguiremos resolver esse problema da incomunicabilidade e fazer aquilo que a sociedade está esperando, lógico que inconscientemente, que seja discutida pelos artistas. Eu acho que essa questão da busca da perfeição através da intervenção no corpo, da plástica, todo esse delírio consumista, isso é uma coisa que a sociedade quer discutir, por isso eu propus que a gente fizesse um trabalho em cima da idéia ao salão de beleza. Uma das histórias que eu desenvolvi com o pessoal de música popular começa assim: “Tudo começou quando Dona Narcisa levou o pequeno Kan ao seu local de trabalho. “Mamãe, mamãe, é aqui que você trabalha?” “É meu filho, é aqui que a mamãe trabalha.” “Mas o que você faz mamãe?” “Ah, a mamãe faz as pessoas ficarem mais belas”. E o menino começa a ficar obcecado pela beleza, mas ele descobre que a beleza tem um preço. Ele acompanha uma pessoa sendo depilada e vê que dói. Mas ele vai ficando obcecado e se torna um cirurgião plástico. Então é uma história dividida em quatro partes, cada grupo escreveu a música de uma parte. Eu acho muito interessante, a molecada estudante de 22, 23 anos... Tem encenação, tem pessoal de teatro, de dança envolvido, pessoal de artes visuais, os professores de iluminação, cenografia. É uma coisa profissional.
Arrigo, você lançou Arrigo Barnabé e Paulo Braga, ao Vivo, em Porto. É evidente que para um concerto só de pianos você teve que fazer uma redução dos arranjos, pensando no que colocaria no lugar de alguns instrumentos. A referência pop que as sua criações apresentam ficaram ausentes.
Sem baixo e bateria já fica uma coisa mais erudita.
Mas essa expectativa de um concerto erudito é quebrada quando aparecem as vozes.
Esse trabalho eu já estava fazendo em 1992. Eu apresentei na Sala Guiomar Novaes na Funarte. Nesse período eu já trabalhava com o Paulo Braga que já tocava comigo há uns 5 anos. Eu falei: “Paulo vamos fazer um duo de pianos”. Ele topou e eu fiz a redução das partituras para dois pianos, com o material do Clara, Office boy, tem vários materiais nesse disco que eu não usava nas versões para banda e começamos a nos apresentar. Pra você fazer um trabalho com banda fora de São Paulo, é passagem, transporte, tudo isso, e as pessoas me chamavam e me pediam sempre uma formação menor. Isso também foi um dos motivos para eu criar um duo. O ideal sempre foi fazer com piano acústico, mas raramente a gente tem oportunidade aqui no Brasil de ter uma sala com dois pianos acústicos. A gente fazia com dois elétricos, ou então com um acústico e um elétrico e começamos a trabalhar... fizemos muita coisa fora do Brasil e pensamos: “vamos registrar isso uma hora, ir pro estúdio e tal”. Quando fomos tocar em Porto não pensávamos em fazer o CD. Fomos pra lá convidados pelo Ricardo Paes que é um encenador português muito importante e também diretor do teatro Nacional São João, que me convidou para fazer o encerramento do festival de teatro de língua portuguesa, em 2004, e eu queria uma formação pequena. Tinha o duo, pensei, “vamos com o duo” e o Teatro Nacional tinha condições muito boas, uma estrutura ótima com dois pianos de cauda inteira, o equipamento de som deles, de amplificação e o técnico de som é espetacular. Fizemos um show muito legal.
Foi um show só e vocês resolveram gravar?
Um show só, numa noite e depois de um tempo o pessoal do teatro mandou pra gente o registro, que é uma coisa que eles fazem com todos os artistas que se apresentam lá. Quando recebemos vimos que estava muito bom, a gente está improvisando bastante, esse tempo todo trabalhando a gente improvisa muito. Daí ficamos com isso guardado.
E o programa foi maior do que está registrado no CD?
Bem maior, ficamos com o registro guardado, e este ano encontrando o Wilson Souto, que é o diretor da Atração e antigo criador do Lira Paulistana, no meu programa de rádio na Cultura FM aconteceu... Ele foi lá para falar sobre o Lira e daí comentamos o fato de eu nunca ter tocado no Lira Paulistana, pois na época eu tinha uma banda enorme e não cabia naquele palquinho. Se eu tivesse um duo na época com certeza teria feito. Daí ele me convidou: “vamos fazer a sua discografia”. Achei maravilhoso, ótimo. Daí conversamos: “o que a gente começa a fazer?” Eu falei do material inédito, gravado em Portugal, em 2004, com a equipe de lá: “e eu acho que o som está muito bom e veja o que acha, se vale a pena, se está tecnicamente legal, você entende disso mais do que eu”. Em seguida, eu o Paulo fizemos a seleção das faixas e mandamos para ele. Ele achou que estava adequado e que poderíamos lançar. É um material inédito, uma versão que ainda não existia, onde as pessoas podem ouvir o esqueleto da música, meio assim voyeur auditivo, como aquele cara que gosta de espiar. Essa é a história.
O público de Portugal já conhecia o seu trabalho inventivo feito anteriormente?
Fiquei sabendo que algumas pessoas foram de Lisboa para Porto para assistir. Viajaram 400 quilômetros para me assistir! Tinha uma parte do público que me conhecia. E o Ricardo Paes que me programou assistia meus concertos aqui no Brasil em 1980, com a Banda Sabor de Veneno, antes de eu gravar o Clara Crocodilo e ele não se esqueceu disso.
No CD, a faixa “Cidade Oculta” é a mais melódica e tem uma interpretação pungente. È uma valsa, se bem que desconstruída, não é uma coisa tão comum como uma valsa banal.
É, ela tem uns caminhos harmônicos complicados.
Notei que o canto é feito em cima de cada nota.
Isso é porque eu sou um mau cantor. É verdade, eu tenho que tocar a nota pra afinar.
Já li alguma coisa que você disse nesse sentido. O que eu notei é que cada nota é marcada por uma palavra ou por uma sílaba, ela é bem marcada nesse sentido.
É verdade. Essa música é uma parceria com o Gudin e a letra maravilhosa é do Roberto Riberti.
Lembra-me um pouco o que o Zé Miguel Wisnik está fazendo hoje.
Pois é, essa música é de 1984 e começou inspirada numa peça do Michel Legrand.
A idéia que passa é que ela está sendo executada num bar enfumaçado, esse é o clima.
Essa música tem a ver com o Blade Runner. Na época a gente tinha assistido “milhares” de vezes e eu falei pro Riberti, ele foi ver e adorou. Você vê que a letra fala de andróide, holograma. Quando eu mostrei pro Chico Botelho que estava começando a filmar Cidade Oculta, eu falei “acho que essa música é a cara do filme”, e ele gostou e quis saber o nome. Eu disse “Rachel”, o nome daquela replicante que no final termina com o Harrison Ford. Eu disse: “mas é claro que dá pra ser Cidade Oculta, ela fala em cidade, cidade que só chovia, e lembra Blade Runner, onde só chovia”. E daí a música entrou na trilha sonora.
Você abandonou essa idéia de ter um projeto que esteja inserido dentro da chamada MPB?
Eu não sou MPB. Parece que eu tinha esse projeto nos discos, mas tinha, na verdade, uma confusão na minha cabeça.
No disco Suspeito de 1984...
O Suspeito é um disco voltado na tentativa de ganhar dinheiro, uma tentativa de se ter uma espécie de saúde econômica, mas não consegui, não adiantou nada, quero dizer, até que me permitiu... têm várias canções ali que dá pra apresentar em show solo, que dá pra tocar e cantar sozinho num bar.
Por mais que queira, e nem sei se quer, você não é um músico com esse perfil erudito clássico. Você pode ir tocar num bar.
De vez em quando eu apareço num bar pra dar uma canja, mas eu toco muito pouco em bar atualmente.
Mas eu estava falando do seu perfil, você pode ir para um bar, para Sala São Paulo se alguém convidar....
Ah, posso... Eu vou fazer o Teatro Municipal.
Televisão, acho um pouco difícil...
É mais complicado. Eu gosto mesmo é de rádio.
Está nos seus planos mostrar esse Cd em shows aqui no Brasil?
Veja, esse é um trabalho que eu estava fazendo há bastante tempo e esse CD é um meio de divulgá-lo, porque, com as pessoas ouvindo o registro, a gente pode fazer mais shows.
Com relação aos seus discos anteriores, os vinis, todos já foram lançados em CDs?
Ainda não, Suspeito e o Cidade Oculta ainda não saíram, mas agora o Wilson Souto quer lançar a minha discografia completa incluindo as duas missas que eu escrevi em memória do Bispo do Rosário e do Itamar Assunção.
Uma observação sobre o que está registrado no CD Ao Vivo em Porto. Elas me parecem obsessivas no sentido da repetição, de buscar...
Você ouviu bem, então. É um barato, é gostoso fazer isso. É um negócio meio de transe, meio hipnótico, você entra num estado... é muito legal o que acontece no palco.
Eu notei que tem uma busca pela repetição...
Pela redundância.
Mudando de assunto, fazer Tv está nos seus planos?
Sabe, eu não gosto de fazer TV. Eu gosto de fazer rádio. Eu tenho um programa de rádio. Eu fiz um programa com um violonista erudito e é claro toquei música erudita de violão, mas também fiz um programa com o Gil Gomes, que ficou encantado com o jeito do programa.
Gil Gomes tem a ver com a narrativa do Clara...
Tem a ver, claro. Fiz um programa com o Zé do Caixão. As músicas que aparecem no programa tem a ver com o entrevistado. Tem uma seqüência no programa que faz parte de uma investigação sobre o gosto. O que eu faço? Eu pego uma música, geralmente do século XX, que tenha um grau de estranheza bem elevado e vou para lugares inusitados, faço as pessoas ouvirem e gravo o que as pessoas estão sentindo quando estão ouvindo aquilo. Por exemplo, fui até os ambulantes em volta do Teatro Municipal, fui na cooperativa dos catadores de lixo, no clube dos jogadores de xadrez. Gravo as reações das pessoas. Em cada programa eu mostro uma peça importante do repertório do século XX. Já vistoriamos as grandes obras o século XX de música contemporânea, incluindo algumas coisa de música popular como o Frank Zappa, coisas do Moacir Santos, do Itamar Assunção e até o Clara Crocodilo, Valter Franco, mas enfim, isso é inserido no programa e no final eu faço comentários sobre essas peças.
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